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Mostrando postagens de dezembro, 2020

Resenha a 'Canteiro de obras', por Alexandre Shiguehara

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                Uma alegria, para mim, estar ao lado do Anderson Lucarezi, do Roberto Bicelli e do Antonio Carlos Secchin na dedicatória. Considero honrosa essa posição, ainda mais depois da releitura do livro, que sempre confirmará, a cada vez que se repetir, a expectativa alta que a sua poesia gera nos leitores, desde o surgimento do Polióptico .               Como você já sabe, o Canteiro de obras é exigente com o leitor. Ele não apenas resiste à releitura, mas a requer para que se perfaça uma recepção condizente com o rigor da concepção e da fatura. A exemplo da poesia de João Cabral, que permanece como uma referência estilística fundamental, a sua dispensa o artifício das imagens e ritmos envolventes que embalam os sentidos. É o pensamento, no fundo, a sua origem e o seu fim.             À primeira vista, o título e a estrutura da obra parecem indicar a reafirmação da analogia já consagrada em Cabral (desde O engenheiro ) entre poesia e arquitetura, poesia e engenharia, sob

Raquel Naveira, leitora de 'Canteiro de obras' e 'Polióptico'

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Por Raquel Naveira   Chegaram os livros de poemas do jovem poeta paulistano, formado em Filosofia, Eliakim Ferreira Oliveira. Canteiro de Obras (São Paulo: Versos em Cantos, 2020) é um conjunto de poemas que seguem um projeto: metapoesia utilizando palavras do universo da engenharia, da construção, da arquitetura, das ferramentas: fundação, pó, prédio, tijolo, cimento serralheiro, pintura de paredes, espátula, grafiato.... Os poemas nos remetem à música "Construção", de Chico Buarque ("Tijolo por tijolo num desenho mágico"), ao método árido do fazer poético de João Cabral de Melo Neto. O poema "Amolador de Facas" nos lembrou a Arte Poética , de Horácio, onde ele usa a imagem do amolador para explicar o trabalho da lima, do aparar palavras que sobrem na poesia. Trecho do citado poema: "Amolar, gesto lírico, Dar à faca um ritmo Que arranca o excesso, Que lhe tira, lhe rouba, Para dar-lhe caminho reto - rasgo à longitude do braço, Ao horizonte do colo,

Resenha a 'Canteiro de obras', por Bruno Rosa

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Sim, esse livro se compõe de muitos livros, como se lê em um de seus poemas, mas não só dos muitos outros livros de poesia, dos quais ele extrai temas, motes, inspirações, se compõe a obra – literalmente, que esse autor leva a sério essa palavra. Pois o autor também é filósofo e, como filósofo, traveja seu edifício com as vigas de um método crítico cuja inspiração mais imediata poderia ser entendida como “dar um contorno bem definido às palavras”, desdobrando-se, por isso mesmo, na sua parelha correlata: “discernir-lhe com precisão os seus limites”. Talvez por aí se enverede as metáforas de eleição desse livro: limar, cortar, amolar, polir – todos verbos que, de certo modo, ao mesmo tempo que constituem uma coisa (com seu corte), demoram-se em suas arestas, em suas rebarbas, aparando-as, amolando-as, açulando seu gosto por uma delimitação bem precisa, tão precisa que às vezes sabe ao gume afiado de uma faca. Quem passear por esse Canteiro de obras não sairá, por certo, coberto pelo pó

Resenha a 'Canteiro de obras', por Anderson Lucarezi

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Recebi o novo livro do Eliakim , Canteiro de Obras , em que uma reflexão sobre a feitura da poesia parte do olhar sobre o trabalho manual pesado, como o do serralheiro e o do pintor de paredes. Acho a correspondência pertinente, já que a escritura, à semelhança da música, da pintura, do desenho e da escultura, se materializa por meio das mãos em um ato ritual/artesanal/industrial. Se em Polióptico , seu primeiro livro, Eliakim destacou o ato de ver, neste novo trabalho outro sentido ganha preponderância: o tato. "Amolar", "limar", "compor", "esticar" - todas ações que se realizam por meio das mãos, assim como, ao menos no final do processo, "escrever". O que percebo nesta obra é um trabalho rigoroso de dedicação à escrita. Seguirei vendo como Eliakim continuará lidando com a escritura e com os impasses que o diálogo com a poética cabralina apresentou a ele; impasses, esses, aos quais ele já busca responder, trazendo para sua poesia sua

Dizer o ver, de Bruno Rosa

    Dizer o ver Para Eliakim e seu Polióptico   O que esse Polióptico nos dá a ver Com as mil dioptrias Com que calça ou poli o gênio de seu fazer Açulando a vista Isto é, irritando-a, Retesando-a até doer Para ir mais além, quem sabe, do que se dá a ver ou mais aquém, diríamos,            do que se usa para o apreender; Além do claro- escuro em que o ser não-ser não se decide entre mostrar-se, ou seja, ser traindo o olho e a si mesmo no que dá a ver ou elidir-se como se oculto atrás do visto ou no não-ser no escuro recôndito âmago opaco de seu próprio anoitecer; Além do que se apanha no entreato ou descortina-se no entrever na imagem fresca sobre a retina e antes de se a apreender conscientemente, isto é, torná-la um objeto para um saber Enfim, o que essa Polióptica Nos ensina (a ver?) É que o olhar da poesia Apenas a si mesma se pode ter, Que é a sua luz que acende as coisas Que irradiam

CRÔNICA - O CONDE DE ST. GERMAIN EM SANTA CECÍLIA

            Faz pelo menos sessenta anos que o Lotito está ali, na mesma papelaria, os mesmos suspensórios, a mesma curvatura da coluna, aquelas duas mulheres, uma que é esposa, outra que é irmã. Até hoje ninguém sabe quem é uma e quem é a outra. Faz parte do mistério. É impossível que ele esteja ali por tanto tempo e do mesmo jeito. Ele é mais novo que a minha avó, mas a minha avó já o vira velho quando ela era mocinha. Como isso é possível? Não é possível. A não ser que... Não, nem quero pensar nisso. É melhor mudarmos de assunto... Não queria falar sobre isso com você. Você vai achar que eu sou doido. Tudo bem, tudo bem. Eu falo. Mas não vá apregoar por aí que eu, com vinte e três anos, já ando com os parafusos soltos. Lotito só pode ser o Conde de St. Germain. Não tem dúvida. Ele deve ser filho ilegítimo ou de Maria Ana de Neuburgo ou de D. João V de Portugal. Deve ter estudado na Itália com o Grão-duque Gian Gastone. Tocou violino para Rousseau, encantou Horace Walpole, lapidou