Resenha a 'Canteiro de obras', por Alexandre Shiguehara

 

             Uma alegria, para mim, estar ao lado do Anderson Lucarezi, do Roberto Bicelli e do Antonio Carlos Secchin na dedicatória. Considero honrosa essa posição, ainda mais depois da releitura do livro, que sempre confirmará, a cada vez que se repetir, a expectativa alta que a sua poesia gera nos leitores, desde o surgimento do Polióptico. 

            Como você já sabe, o Canteiro de obras é exigente com o leitor. Ele não apenas resiste à releitura, mas a requer para que se perfaça uma recepção condizente com o rigor da concepção e da fatura. A exemplo da poesia de João Cabral, que permanece como uma referência estilística fundamental, a sua dispensa o artifício das imagens e ritmos envolventes que embalam os sentidos. É o pensamento, no fundo, a sua origem e o seu fim.

            À primeira vista, o título e a estrutura da obra parecem indicar a reafirmação da analogia já consagrada em Cabral (desde O engenheiro) entre poesia e arquitetura, poesia e engenharia, sob o pressuposto da arte como construção. Mas a perspectiva do Canteiro de obras me parece ter alguma ironia, já a partir do deslocamento que propõe: da limpeza asséptica da mesa do arquiteto/ engenheiro para o terreno onde a obra se concretiza de fato, onde os trabalhadores põem ‘as mãos na massa’; vale dizer, do âmbito do pensamento e da elaboração para a efetividade prática do trabalho manual.

            Também me parece irônica a estrutura dividida em partes sequenciais, iniciando com a “fundação”, seguida por “instruções”, mas terminando com a “terra arrasada”. Como se a estrutura do livro já implicasse ao mesmo tempo o projeto e a sua negação – o que um dos poemas confirma, pelo menos na minha leitura, ao assegurar que “poesia é sobra, leitor, não edifício”. É sobra de um processo ostensivamente dialético, que expõe projeto, realização, negação – e resíduo, sobra, que é como o livro ironicamente define a própria poesia.  

            Poesia como sobra, a meu ver, é uma ideia original, que a poesia de João Cabral (paradigma assumido desde sempre) aparentemente não contempla. Sinal de uma capacidade de pensar a poesia por dentro e no ato de fazê-la, com independência em relação ao mestre, seguindo adiante por caminhos que ele abriu na nossa literatura. O mérito, aqui, é para mim inegável.



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