Resenha a 'Uma mesa de tamanho normal e outros contos do tamanho do bilhete do suicida', de Eliakim Ferreira Oliveira- Por Felipe Lopes


O Leitor que conhece a obra de Eliakim Ferreira Oliveira pela poesia com certeza vai se surpreender com o seu livro de estreia em prosa: Uma mesa de tamanho normal e outros contos do tamanho do bilhete de suicida (2021, Ibis Libris). Enquanto a poesia é difícil, dura e cheia de pedras, este livro de contos é um banquete, assim como sugere o título e o índice. O livro é dividido em entrada, prato principal, guarnição e sobremesa.

No limite, os textos podem facilmente ser aproximados do gênero crônica, o que novamente reaviva a discussão sobre qual a diferença entre conto e crônica. Chamemos de conto porque é assim que o autor denomina no título do livro (e talvez porque a denominação do autor é a derradeira distinção). O texto compartilha com as crônicas o relato das situações cotidianas, de maneira bem-humorada e aparentemente sem pretensões muito profundas. Mas digo apenas aparentemente porque um leitor atento consegue captar elementos fundamentais da experiência humana no livro.
Por exemplo, no conto que dá nome ao livro, estamos diante de um casal que percebe que o amor da mulher para com o marido só se manifesta na sua ausência. A relação saudade-presença revela uma profunda incapacidade de lidar com o atual, com o presente. Retoma a ideia contida no Banquete de Platão de que só é possível amar o que não se tem. Isso envolve a idealização daquilo que não está presente, que sempre se revela melhor do que a presença mesma. Nem mesmo uma mesa de tamanho normal entre eles é distância suficiente.
Outra ideia importante para mostrar a profundidade dos temas é presente no conto "Irene", onde o personagem ganha a oportunidade de reviver um amor de juventude. Mas quando se depara com a nova aparência da sua amada, com a marca da velhice, ele se decepciona e finge ser outra pessoa para sair da situação. O que este texto mostra é a inexorabilidade do tempo. Não é possível reviver o passado, pois as pessoas estão diferentes. O que acontece na verdade é a destruição do passado ao tentar revivê-lo. Para citar mais um exemplo, no conto "Amor nos tempos de saneamento básico" temos uma amostra da força da paixão e do orgulho mesmo nas situações mais adversas, até mesmo desumanas.
Em todo o livro temos uma mistura de humor e tragédia. Mesmo nas histórias engraçadas há um fundo trágico. Revela um contexto onde a tragédia já esta dada de antemão, e mesmo assim os personagens e o narrador adquirem uma postura bem-humorada. Talvez seja uma forma de narrar que represente o Brasil de forma mais fiel.
Na parte da guarnição temos uma mudança de tom, temos histórias trágicas, sangrentas, sem aquele toque humorístico forte. Aqui as tragédias são narradas de uma forma crua. É a tragédia sem drama, sem a descrição do sofrimento por parte do narrador ou dos personagens. É como se víssemos a cena mas tivéssemos perdido nossa capacidade de nos chocar, o que torna as cenas mais incômodas. Narra a vida sem valor, sem grandes crises existenciais, sem o questionamento do destino. No lugar da crise, existe a raiva, a vingança, a resposta tão sangrenta e violenta quanto o que a antecede.
Na sobremesa, temos histórias curtinhas, de volta com o humor. Temos talvez o menor conto já escrito: "Crônica de uma morte anunciada". Convido a todos para ler o livro, para se deliciar com esse jantar, no qual os pratos são agradáveis, mas com um fundo levemente amargo.



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