Resenha a 'Uma mesa de tamanho normal e outros contos do tamanho do bilhete do suicida' - Por Viviane Carnizelo

 

Por Viviane Carnizelo* 

Uma mesa de tamanho normal e outros contos do tamanho do bilhete do suicida tem um elemento comum a todos os textos: há algo da fantasia do amor que se rompe, seja por não se realizar ou por apresentar elementos crus quando se realiza. Em todas as histórias, a magia e o encanto se vão. É que o desamor é parente próximo do bilhete suicida. Pode não ser irmão, mas é aquele primo que mora no bairro avizinhado. Rompe-se o encanto amoroso e os casais são desencontro, de modo que quando o encanto da vida se vai, ela também se desencontra de quem a tem e deixa de formar o casal.

1.       O prato principal

O texto de abertura traz a relação entre morte e prazer.

A relação entre ambos os conceitos segue desenhando o contorno dos textos dessa parte. O menino que quer ser cowboy, a “espada de samurai” que estilhaça a porcelana, no perder-se pela biblioteca que tanto atrai quanto mata. É a sequência de excessos e desequilíbrios que aproxima os personagens de um prazer (de novo) cru e sem encantos, cada vez mais limítrofe com a linha da morte.

2.       A guarnição

A relação entre as duas primeiras partes é composta: amor e morte. Do desencanto com o amor surge a aproximação com a morte que se dá entre as personagens desiludidas. Em sua forma desencantada, o amor flerta com a possibilidade de se transformar em morte em si mesma, e não em um abandono de um modo de vida anterior para que um novo horizonte nasça.

3.       A sobremesa

Surge, por fim, após o desencanto das fantasias amorosas e o flerte com a morte em si mesma, a relação amor-objeto, que vem substituir as possibilidades de relação anteriores. Ela também sofre de falta de magia até que, da união amor-objeto, surge a síntese final, objeto-objeto-morte, quando o cravo mata a rosa (in “O cravo cravou na rosa”).

O livro narra a trajetória de um longo desenvolvimento das fantasias de amor, em que elas se rompem, passando a narrativas cruas sobre términos e desamores que se repetem. Surge a morte como saída dos sofrimentos amorosos e, por fim, as relações de objeto abrem uma nova possibilidade de relação. É uma obra sobre o fim do amor romântico e o surgimento das relações em tempos de pós-modernidade.

*Viviane Carnizelo é psicanalista e filósofa. Também é formada em publicidade. Administra a página Sublime Absoluto (Facebook). 


Excursion in filosofia, Edward Hopper



 

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