CRÔNICA - Um balde de leite



            Sentados, um à frente do outro, em cada copo o gim com algum licor. O homem termina os serviços, abre a porta, entra com um pequeno balde de metal:
            — É do senhor?
            — É, sim. Era da minha avó.
            Ao que ele nos conta que a avó dele tinha um balde igual. O pai lhe mandava pegar leite na fazenda vizinha. O leiteiro muquirana enchia só até a metade. Não ficou por menos:
            — Volte lá e devolva o leite. Pela metade não dá — o pai ordena.
            Um leite fresco, gorduroso, da mais bela vaca. O menino não podia desperdiçar. Toma tudo no caminho, numa golada só. 
            O dilema moral: se mentir, apanha; se contar a verdade, apanha também. Não importando o resultado, que conte então a verdade:
            — Tomei tudo no caminho.
            — E você apanhou? — um de nós pergunta.
            — Só uma chinelada. 
            — E o leite estava bom? — eu pergunto.
            — Demais — ele responde. 
            — Então valeu a pena.
            Paramos de tomar o gim com licor, mistura impossível de ser bebida num balde. Decidimos homenageá-lo:
            — Vamos tomar um copo de leite em sua homenagem!
            E brindamos os três, cada qual com seu copo. 
            Quem disse que não se faz amigos tomando leite?


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