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Mostrando postagens de junho, 2020

CRÔNICA - Dar de comer aos bichos

            As codornas ficavam num canto do quintal, entre duas paredes. Uma gaiolinha quadrada. Ali se encolhiam uma sobre a outra, sempre muito quietinhas, vez ou outra é que faziam algum barulho. O som da codorna é muito discreto. É difícil descrevê-lo. Não é escandaloso como o cacarejar das galinhas ou o grasnar dos patos. Aliás, é bom lembrar que as codornas não cacarejam nem grasnam. As codornas trilham ou piam. O trilhar é como um sininho, som agudo, leve.               Davam muito ovo. Era impressionante. Mais ovo que as galinhas. Certa vez, decidi fritar em vez de cozinhar. Um ovinho frito, um miniovo, uma beleza. As galinhas, se me lembro bem, davam pouco ovo. Na verdade, confesso que não me lembro de nenhum ovo de galinha. Acho que criávamos mal aqueles galináceos. Talvez não lhes déssemos ração suficiente, talvez as tirássemos do sério. Galinha mal humora...

CRÔNICA - A fábrica de histórias

            Chamei-o da janela. Acho que ele estava lavando as roupas.             — O que é? — grita do quintal.             — Vem aqui, rápido — eu digo.             A passos de tartaruga, ele entra no quarto.             — O que é?             Olho nos olhos dele, digo:             — Me conta uma história.             — Não tenho nenhuma para contar agora — responde secamente, mau humor indiscreto e sincero.             Mal sabia ele que eu já sabia da resposta. Ninguém tem uma história...

CRÔNICA - Um balde de leite

             Sentados, um à frente do outro, em cada copo o gim com algum licor. O homem termina os serviços, abre a porta, entra com um pequeno balde de metal:             — É do senhor?             — É, sim. Era da minha avó.             Ao que ele nos conta que a avó dele tinha um balde igual. O pai lhe mandava pegar leite na fazenda vizinha. O leiteiro muquirana enchia só até a metade. Não ficou por menos:             — Volte lá e devolva o leite. Pela metade não dá — o pai ordena.             Um leite fresco, gorduroso, da mais bela vaca. O menino não podia desperdiçar. Toma tudo no caminho, numa golada só.           ...

CRÔNICA - O pau-brasil da Índia

Havia uma feirinha de doação de árvores. Eu não queria. Plantar, regar, cuidar do solo, depois a raiz cresce, levanta a calçada, entope os encanamentos. Árvore em casa é uma tragédia anunciada. Quinze anos depois, lá vêm os problemas. Houve muita insistência, no entanto. Uma amiga insistiu tanto que até me tirou do sério.             — Tudo bem, pare de insistir. Vou levar o... o pau-brasil, aquele ali —apontei. — É a árvore que dá nome ao país. É digno de nota ter um pau-brasil em casa.             Deram-me o pau-brasil.              — Certeza, não?             — Sim, senhor, um autêntico pau-brasil!             Esse pau-brasil foi crescendo, a folhagem foi se adensando, uma copa enorme. Não sabia que a ...