CRÔNICA - A fábrica de histórias



            Chamei-o da janela. Acho que ele estava lavando as roupas.
            — O que é? — grita do quintal.
            — Vem aqui, rápido — eu digo.
            A passos de tartaruga, ele entra no quarto.
            — O que é?
            Olho nos olhos dele, digo:
            — Me conta uma história.
            — Não tenho nenhuma para contar agora — responde secamente, mau humor indiscreto e sincero.
            Mal sabia ele que eu já sabia da resposta. Ninguém tem uma história para contar assim, de pronto. As histórias precisam de tempo para serem fabricadas. Antes de contar a história, a pessoa pensa na história, na verdade, ela já estava pensando nela, engordando-a. Muitas vezes, a história só estava lá à espera de alguém para ser assaltado por ela:
            — Você sabia... Deixa eu te contar... Soube da última... Você não acredita...
            A fábrica de histórias precisa de um bom estoque, funcionários que vestem a camisa da empresa, que têm vontade de fazê-las. Sem contar a matéria-prima, indispensável: as sensações, as surpresas, as lágrimas, a gargalhada, as palavras. As palavras! Muitas vezes, temos a história, mas não temos as palavras. É uma bruta história. É só pau, pedra, ferro: não é cadeira, não é estátua, não é ferrovia. Aí dizemos:
            — Me faltam as palavras. 
            Demoramos para contar certas coisas. Às vezes até para nós mesmos. Precisamos tomar distância, tomar partido, saber do que aquilo é feito, que técnica usar. Não queremos que as histórias se tornem só uma gargalhada escandalosa ou um choro envergonhado. 
            — Não tenho nenhuma para contar agora — ele me disse.
            Mal sabia ele que eu já estava fabricando uma.

São Paulo, 25-2-2019

Comentários

  1. Eliakim, caríssimo... adoro essa sua sôfrega ....huuummm sôfrega....deixe- me escolher bem a palavra... huummm.... preciso tomar distância dela, ao menos um pouco... contornar minha impulsividade. Detê-la? sei que serei vencida... Respirar, antes, para que ela nasça, como um leve deitar de uma flor de ipê. Veremos.

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

Ensaio: RUBENS RODRIGUES: O "STRIP-TEASE" DA PALAVRA

Raquel Naveira, leitora de 'Canteiro de obras' e 'Polióptico'