CRÔNICA - Dar de comer aos bichos



            As codornas ficavam num canto do quintal, entre duas paredes. Uma gaiolinha quadrada. Ali se encolhiam uma sobre a outra, sempre muito quietinhas, vez ou outra é que faziam algum barulho. O som da codorna é muito discreto. É difícil descrevê-lo. Não é escandaloso como o cacarejar das galinhas ou o grasnar dos patos. Aliás, é bom lembrar que as codornas não cacarejam nem grasnam. As codornas trilham ou piam. O trilhar é como um sininho, som agudo, leve.
             Davam muito ovo. Era impressionante. Mais ovo que as galinhas. Certa vez, decidi fritar em vez de cozinhar. Um ovinho frito, um miniovo, uma beleza. As galinhas, se me lembro bem, davam pouco ovo. Na verdade, confesso que não me lembro de nenhum ovo de galinha. Acho que criávamos mal aqueles galináceos. Talvez não lhes déssemos ração suficiente, talvez as tirássemos do sério. Galinha mal humorada não costuma dar ovo. E também não havia um galo para ajudá-las a dar ovo. Muita vez eu acidentalmente tropicava em alguma, deixando-a tonta. Uma galinha tonta não vai dar ovo, claro.
            A criação foi expandindo. Eu achava que deveria criar minhocuçu. O minhocuçu serviria para alimentar as galinhas e para vender para pesca. Arrumei um aquário de vidro, quadrado, pus terra, muita minhoca, e esperei que elas crescessem. Não me dei conta de que minhoca cresce e vira minhoca, não minhocuçu. Para crescer e virar minhocuçu, tem que ser minhocuçu de nascença. Mas onde eu encontraria minhocuçu? Até hoje não sei.
            Depois vieram os girinos. Esses eu não encontrei em São Paulo. Nem no Parque Ibirapuera. Chegamos a trazer uns filhotinhos. Mas não eram girinos. Eram peixes, naquele tempo em que peixe é idêntico a girino. Os girinos foram crescendo, crescendo e me decepcionaram: viraram peixes. Joguei-os no lago do parque ao lado de casa.
            Você acredita que ainda sinto vontade de alimentar essas criações? Não sei você, mas sinto um prazer enorme em dar de comer a um bicho. Acordar de manhãzinha e pôr ração para o cachorro, dizer para ele:
            — Come, bicho, come. — Lançar milho para galinhas, criar minhocas gordas para engordá-las, pôr a ração das codornizes no potinho e vê-las se tornarem bolinhas ambulantes. Nem sinto tanta falta dos bichos. Mas sinto falta de ter muitos bichos, para lhes dar de comer. Não existe nada mais lindo que uma galinha obesa.

                                                                       São Paulo, 11-2-2019

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