CRÔNICA - O pau-brasil da Índia


Havia uma feirinha de doação de árvores. Eu não queria. Plantar, regar, cuidar do solo, depois a raiz cresce, levanta a calçada, entope os encanamentos. Árvore em casa é uma tragédia anunciada. Quinze anos depois, lá vêm os problemas. Houve muita insistência, no entanto. Uma amiga insistiu tanto que até me tirou do sério.
            — Tudo bem, pare de insistir. Vou levar o... o pau-brasil, aquele ali —apontei. — É a árvore que dá nome ao país. É digno de nota ter um pau-brasil em casa.
            Deram-me o pau-brasil. 
            — Certeza, não?
            — Sim, senhor, um autêntico pau-brasil!
            Esse pau-brasil foi crescendo, a folhagem foi se adensando, uma copa enorme. Não sabia que a copa de pau-brasil ficava tão volumosa. Então começaram a surgir dúvidas sobre a autenticidade daquele pau-brasil. Deu flor. As pessoas passavam em frente de casa e me diziam:
            — Um belo ipê!
            Ipê? Não, por favor, ipê não. É um pau-brasil!
            — Não, meu filho, isso é um ipê rosa.
            Fui consultar uma avó que é botânica diletante.
            — Pau-brasil? — ela gargalhava. — Um pau-brasil? Isso é um ipê! É claro que é um ipê.
            Um ipê? Não pode ser.
            Mas não tinha jeito. Não importava que velhinha eu consultasse. Todas diziam, invariavelmente: se não é ipê, pau-brasil é que não é.
            Um ipê no meu quintal! Além de levantar calçada, entupir encanamento, dar nó em fio elétrico: é um ipê! Não é um pau-brasil. Ora, ipê tem em todo canto. Ipê no parque, na casa do fim da rua, perdido no canteiro da marginal. 
            Resolvi inventar uma espécie. Pintei num pedaço de madeira: pau-brasil da Índia (não confundir com ipê brasileiro). Preguei no tronco da árvore de identidade questionável. As pessoas passavam e me diziam que era muito parecido com um ipê. Muito, eu respondia, tal como o canário da terra parece com o pardal, sem contudo ser um pardal. É como a coral verdadeira e a falsa, a borboleta-monarca e a vice-rei e outros seres passíveis de serem confundidos com suas respectivas sósias.
            Deu certo. Chegou a sair no jornal do bairro. "Morador do Jd. Jabaquara cultiva há oitos anos um pau-brasil da Índia (não confundir com ipê brasileiro)". É mentira. Um ipê sem tirar nem pôr. Mas não importa. Aos meus olhos sempre será um pau-brasil. Da Índia.

                                                            São Paulo, 29-I-019

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Crítica: A ÚLTIMA EDIÇÃO DO 'ANTES QUE EU ME ESQUEÇA', DE ROBERTO BICELLI (I)

O poeta, tradutor e crítico literário Anderson Lucarezi comentou a respeito do 'Enciclopédia de História Natural, contos'

Resenha à 'Interpretação de Muitos Mundos' (Ed. Versos em Cantos), de Juan Castro, no prelo