Conto: UMA MESA DE TAMANHO NORMAL (inspirado num poema de Patrizia Cavalli)
A
verdade é que ela prefere as grandes distâncias. Olha para o céu, uns cirros
mais afastados dos outros, abre-se entre essas nuvens um vão azul que só vai
aumentando. Ela se imagina um cirro indo embora, e, quando perto do outro, que
seja à distância, léguas, quilômetros. Não suporta a falta de espaço que são os
céus repletos de cumulonimbus.
— A verdade, Mário, meu amor, é que
eu não queria estar aqui com você — eleva a sobrancelha, tão superiora que é.
— Mas você disse que me amava... — o
homem, acabrunhado diante daquilo que julga ser mais um dos tantos descasos da
moça.
— Mário: você se lembra de quando eu
tive que ir para a Europa?
— Que falta me fez! — abaixa a
cabeça, ameaça uma lágrima.
— Pois então! Eu digo o mesmo. Você
também me fez muita falta! Nunca te amei tanto — põe sobre a mão dele a mão
dela, os dedos cumpridos, de pianista, e que unhas.
— Mas não te entendo, Marisa. Que
amor é esse? Você fica dizendo que quer se ver longe de mim, que não queria
estar aqui co... — interrompido por uma trovejada. —Aqui, comigo.
— É isso mesmo. Quando estou longe
de você, sinto uma vontade de estar a seu lado. É isso o amor, não? Me abraço
ao travesseiro como se te abraçasse, de conchinha. Todos aqueles homens com
quem dormi na Europa: eu tinha que fechar os olhos, fazer força, tentar lembrar
de você, do seu rosto, do seu corpo. Só assim eu gozava.
O homem era só perplexidade.
— Como assim? Você é louca?
— Não. É a verdade... Até quando eu
estava sozinha, antes de dormir, era em você que eu pensava — uma trovejada e
começa o toró.
— O quê?
— É isso que você ouviu — a luz
apaga e acende.
— Não, eu não ouvi o que você falou.
O trovão.
— Só em você eu pensava — raios e
trovões.
— Mas... então... por que quer se
ver longe de mim? — entra água pela vidraça.
— É que... sei lá, perto de você, eu
não gosto de você. Mas quando você está longe de mim, é o amor da minha vida, o
homem que mais amo.
— ... — vermelho, apoplético.
— Não faz essa cara. Eu disse para
você que eu era complicada... — uns três entram encharcados no bar.
— Então por que você está aqui,
comigo?
— Tá brincando, Mário?
— Não! Você me odeia quando está
perto de mim. E o que nos separa agora é só uma mesa de tamanho normal, e você
continua aí, me falando coisas horríveis.
— Está o maior vendaval lá fora! Um
toró! Você queria que eu estivesse onde?
— Então é isso... Você só fica perto
de mim quando chove muito... — aponta para as vidraças.
— Quando chove muito, meu amor, o
que nos separa é uma mesa de tamanho normal. Se estivesse sol, eu já estaria no
aeroporto, pensando em como é bom te amar.
— Ah, Marisa! Eu te odeio, te odeio!
— E eu te amo, Mário, amo muito! —
aperta a mão dele, sorri de orelha a orelha. — Mas à distância...
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