Conto curto como o bilhete do suicida: A GARÇONETE


            Bandeja na mão — quando é que essa noite acaba? —, a bela moça desfila entre mesas.
            Ele a observa durante toda a bebedeira. Tenta prestar o máximo de atenção enquanto ela traz a cerveja. Agradece como se tivesse recebido o brinquedo que pediu ao Papai Noel.
            — Mais uma rodada?
            — Ó sim! Seria ótimo. Muito obrigado.
            E lá chegam mais litros dessa cerveja amarga feito a vida.
            — Como é mesmo seu nome?
            — Paloma.
            — Muito obrigado, Paloma!
            Encantado, moça tão bela — Antes só uns velhos atendiam aqui.
            Tem uma ideia: para ouvir o arrulhar dessa pombinha, resolve beber rápido, que a noite não espera. Rodada de cerveja pra que te quero:
            — Paloma, você pode trazer mais uma?
            Dez minutos após a quinta rodada, de novo sente saudades da garçonete.
            — Paloma! Mais uminha, por favor — a língua enrosca no canino.
            Na décima, os amigos já não aguentam
            — Saideira, Jorginho?
            — Só se a Paloma trouxer! — levanta o copo.
            Metade da última garrafa, pé esquerdo enroscando no direito, visão turva, caminha claudicando até o caixa, toma coragem para se declarar.
            — Eu quero te dizer uma... uma coisa... ô Paloma...
            Silêncio.
            — Paloma, você é... muito bonita — o pobre rapaz queria pensar numa cantada mais sofisticada, mas o álcool como que simplifica a linguagem.
            — Paloma, se eu não tivesse que ir embora agora... ficaria mais aqui, para conversar com você.
            Suspiro diante da arenga do bêbado. Nada diz.
            — Tchau, Paloma, vou voltar aqui na sexta-feira, tudo bem?
            Sorriso frouxo é o que a moça consegue dar.
            O bêbado sai a se arrastar.
            Paloma comenta com a amiga:
            — E este é só o primeiro dia...


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