5 poemas de 'Polióptico' (Córrego, 2019)
INVESTIGAÇÕES
DO OLHAR
[...]
nunca me vi ultrapassar os limites da luz
natural nem muito menos os da metafísica.
Francisco
Suárez, Disputações metafísicas
Aqui
não se investiga
à
luz de lupa, como
quem
sai em busca de um
pelo
de urtiga ou
do
olho de um inseto.
Se
se mune de pedaço
de
vidro, não é para
ver
de que é feita a coisa,
mas
como é a coisa fora
do
ver. Explico: num piscar de
olhos,
como que fica à
vista
um vestígio, como
uma
sola suja de terra,
marca
pela qual se nota,
num
gesto semafórico,
o
pisão que se deu. Pode
o
olho seguir a pista,
perseguir
o rasto, correr
até
o risco de gravar
um
rosto. Pois que feche
um
olho, mesmo que reste,
em
algum lugar, talvez
no
cristalino, aquele
pouco
de luz, um vestígio
que
só se vê piscando.
Pois
fica assim, a esmo,
seguindo
a própria pista:
o
rosto do assassino
no
olho de uma vítima.
Para
investigar assim,
só
se fazendo as
investigações
do olhar,
que
não podem, pois, ser
escritas
à moda de
um
artigo de revista.
É
que a physis tem uma
sombra
que a luz natural
não
alcança. Só o pode
a
poesia.
O
FOTÓGRAFO E O POETA
O
fotógrafo: não é que
congele
a postura, não
é
que apreenda a cara,
desenhe,
num instante,
a
paisagem de silhuetas,
ou
seja só um fiel à
pose,
nem que a pose
seja
só para a foto.
O
fotógrafo é um tipo
de
poeta, porquanto,
tal
como o mundo se põe
ao
poema, põe-se também
para
a foto, modela-se,
ajeita-se,
soergue
certos
pontos (queixo,
braços,
morros, pássaros,
prédios,
penteia
cabelos
e copas de
árvores).
O fotógrafo,
por
seu turno, faz ver o
longe,
o entre, o instante.
Quer
o poeta fazer ver o
nunca,
o nada, o que não
se
pode ver: atrás do olho,
dentro
do osso, o escuro,
o
olho cerrado, até cego.
O
OLHO DO POETA
A Rubens Rodrigues Torres Filho
o olho
de Rubens
de
baixo para cima
(voo
circunflexo?)
olho
que olha
a
si mesmo
olhar
a esmo
olha
o olhado
sem
que o olho
veja
no visto
olhar
arisco
olha
aqui, acolá
isto
e aquilo
(nem
tudo que
é
ouro reluz)
se
o olho de Rubens
não
tivesse sol
veria
a luz?
mas
é a coisa vista
que
seduz o olho
uma
nesga da
coisa
mesma
ou
outra coisa
bem
diferente:
olho
que não vê
coisa
alguma
mas
só o sol
à
sua frente?
aí
o poeta perde-se
entre
coisas
que
pensa ver
enganado
pelo
sol
que tem
no
olho
súbito,
arranca-o
com
a mão e uma adaga:
ó
poeta
que
descobre
que
ver a coisa mesma
é
não ver nada!
adeus
ao voo circunflexo:
dois
buracos escuros
qual
um par de trema
DAS COISAS INVISÍVEIS (I)
as
coisas invisíveis
a
que o olho não chega
o
vento
o
ir e vir
no
vão
da
bússola
o
varal
atrás
do olho
que
o prende
e
outras coisas
a
que o poema não chega
como
um ponto cego
que
inaugura
um
ameaço de lágrima
na
ponta do olho
UM
CAMUNDONGO QUE OLHA DE TRAVÉS
(apud Dostoiévski)
um
camundongo
que
olha de través
o
olho qual semente
de
mamão
um
cá, outro lá
este,
que nos atravessa
qual
uma faca afiada
dois
gumes
contra
a carne do nosso olho
que
atravessa o olho
do
camundongo
duas
lâminas
uma
através da outra
o
brilho convexo
do
olho do camundongo
o
brilho convexo do nosso olho
lâmina
que atravessa
sem
furar
não
qual aquela que empurra
a
carne
que
faz mais espesso
um
lado do peito
que
empurra uma nesga
faz
uma fresta
abre
uma entrada
não
o
gume da luz do olho
do
camundongo que olha
de
través
mira
na lâmina
que
brilha no nosso olho
duas
lâminas
uma
através da outra
sem
cortar
prestes
a um touché
fazer
escuro na lâmina
do
olho do camundongo
miro
minha espada
de
metal na espada de luz
do
seu olho
e
ele, que olhava
atravessado
desatravessa
feito
um raio de luz
na
sala
*Disponível para venda em:
https://editoracorrego.minhalojanouol.com.br/produto/210837/polioptico-de-eliakim-ferreira-oliveira
Comentários
Postar um comentário