CRÔNICA - O NARIZ


Quando ela me disse que a outra era assim e assado, perguntei, e isso já é hábito, como era o nariz dela. Ao que ela notou meu interesse desmedido pelo nariz dos outros, sobretudo o nariz delas. Falei que a coisa assim se passava desde que eu tinha sonhado que ia beijar a mulher mais linda do mundo, mas que o nariz dela começou a testar força com o meu, de modo que não se encaixavam, e meu nariz empurrava o dela e o dela o meu. Beijo nenhum, só testilha de nariz. Mas não era exatamente por isso. Lembrei então que, na verdade, era porque havia uma moça que, quando falava, o nariz mexia, como se datilografasse o que ela dizia. Era linda. Então, fiquei buscando outros narizes assim, cuja ponta mexe quando a pessoa fala. Mas também porque, no rosto, sempre falam dos olhos, que quase nunca mudam, mas que, justamente por isso, me interessam pouco. Quero aproveitar a época de ouro desse órgão tão delicado, que, daqui a trinta anos, estará maior, torto e enrugado. O nariz é também um centro de referência, algo como o baricentro do rosto: todos os caminhos levam ao nariz. Mas também não era exatamente por isso. Então falei daquele conto em que, durante anos de pandemia e máscaras, o nariz se tornava um sex appeal: ninguém mais quer ver a cinta apertando a coxa, a silhueta na cueca ou o bico do seio. Todos, sem exceção, se tornam tarados por narizes. Não sei. Apenas gosto do nariz. Nada mais a declarar. Ela se contentou com a resposta.

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