AO LONGO DO RIO: JOÃO CABRAL E TRÊS POEMAS DO CAPIBARIBE, de Alexandre Koji Shiguehara


O poeta João Cabral de Melo Neto (que daqui a poucos dias completará cem anos) define, em um ensaio intitulado "Da função moderna da poesia", duas vertentes ou duas águas através das quais escreve: por um lado, uma vertente "participante", por outro, uma vertente da "investigação formal". Ambas as águas, escreve Alexandre Shiguehara, "são duas formas de conceber a comunicabilidade da poesia". Nisso o poeta se punha em posição quase oposta à da poesia moderna, que, ao exacerbar o vetor da 'expressão', teria negligenciado, do ponto de vista do poeta pernambucano, a contraparte indispensável da 'comunicação'.

A questão que se coloca é como essas vertentes determinam a poesia de João Cabral. Em que essa poesia participante contribui, por exemplo, com a poesia da investigação formal (a "poesia-poesia", na expressão de Haroldo de Campos) e como uma se relaciona com a outra. Parece-me que é esse o problema que Alexandre Shiguehara enfrenta em Ao longo do rio: João Cabral e três poemas do Capibaribe (São Paulo, Ed. Hedra, 2010).

O recorte é dos mais pertinentes, porque toma três poemas de temática aparentada, escritos no começo dos anos 50: O cão sem plumas, O rio e Morte e vida severina, o chamado "tríptico do Capibaribe". Aí, Shiguehara parte do papel e da importância da chamada poesia social na formação de João Cabral. O crítico não assume, no entanto, uma pretensa superioridade dessa poesia em relação à poesia anterior do pernambucano, mas pretende conhecer "o que (e como) a poesia social acrescenta em complexidade à poética de Cabral, relativizando e problematizando os preceitos de lucidez e controle afirmados radicalmente na fase que a precede". O crítico não me parece, no entanto, tomar uma água em detrimento da outra, caso em que tornaria difícil explicitar — e esse é o objetivo de Shiguehara — a passagem da poesia cabralina de 1947 para a de 1950. Estará em questão, no estudo de certa poesia de temática social, tanto o domínio da linguagem quanto a realidade que essa poesia representa. Duas faces de um mesmo João, que conseguiu de maneira muito eficiente aliar, em uma mesma poesia, o rigor formal e a reflexão social.



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