Crônica: SOU A MINHA AVÓ
Há muito
tempo venho brigando com a minha psicanalista. Ela concluiu, para o meu
desespero, que eu não sou o Eliakim, sou a dona Lydia, a minha avó. Não que
seja um problema eu ser a dona Lydia. O problema é eu não ser o Eliakim. Se a
psicanalista estivesse lendo este texto enquanto eu escrevo, diria para eu
corrigi-lo:
— Não é o Eliakim que vem brigando comigo, é a dona Lydia.
— Não é o Eliakim que vem brigando comigo, é a dona Lydia.
De fato, sofri muita influência da
minha avó. Raramente compro um presente para alguém. Raramente ela compra.
Quando eu compro, vou à loja de antiguidades perto de casa. Se é para dar algo
a alguém, tem que ser uma coisa antiga. Se é antiga e ainda está em bom estado,
é porque dura mais. Se dura mais, é melhor. Um raciocínio típico da minha avó.
Compro estatuetas, quadros, máquinas de escrever, louças. O último presente que
eu dei a alguém foi um porta-joias. Era para uma pessoa que nem tinha joias.
Aliás, nem sabia o que era um porta-joias. Minha avó faria isso também, sem
dúvida, e para mostrar à pessoa o que é um porta-joias.
— Você não acredita — ela me diz: — A dona Luísa não sabe o que é um gramofone.
— Você não acredita — ela me diz: — A dona Luísa não sabe o que é um gramofone.
Lembro uma vez em que ela ia se
desfazer de uma malha. Convenci-a a dá-la para mim. Uma malha muito resistente.
A propósito: esse "r" de "resistente" que faz tremer a
língua, não sei se é meu. Um certo mau humor crônico, mesmo quando estou de bom
humor, porque é errado mostrar que se está de bom humor — a vida é séria. Isso
é dela. Se for para expressar humor, tem que ser trágico, sarcástico e
depreciativo. És pó e ao pó voltarás. Então, ao frio de outono, pela manhã,
enrolo uma toalha sobre a calça, ponho a malha, começo a trabalhar cedo: é
herança dela, sem dúvida (meu pai e minha mãe ainda devem estar dormindo a esta
hora neste sábado).
Seria eu uma duplicata da dona Lydia?
Seria eu uma duplicata da dona Lydia?
São Paulo,
25-5-2019
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