Ensaio: QUANTO PESA UM POEMA


           Há dois dias eu mostrava um poema de Roberto Bicelli para uma amiga. Roberto é jovem, de aparência e espírito, mas escreveu um poema de pouco mais de trezentos anos:

SPLEEN
STRESS

            Não preciso dizer que a referência é aos humores que marcaram a produção literária nos séculos XVIII, XIX, XX e — por que não? — XXI (ou o XXI já é um terceiro humor: DEPRESSION?). Poema de longa data, sintético, muita matéria e energia condensadas. Se lhe abrirmos uma fresta (por favor, não faça isso), explode. Pedaços de Byron, Álvares de Azevedo e Álvaro de Campos para todos os lados! O horror.
            Lembra, ao menos na forma, aquele poema-pílula de Oswald de Andrade, não lembra?

AMOR
HUMOR

            Demorou muito até eu entender o poema de Oswald. O problema das pílulas é que são pequenas. É preciso olhos clínicos para saber de que são feitas. Eu sabia que era engraçado. Eu ria ao lê-lo. Mas ria de quê, me perguntava. Onde estará a chave do riso nesse poema de Oswald? Eu descobri, e no lugar mais inusitado. Lá está, num texto do século IV a. C., um diálogo de Platão!
            Durante muitos séculos, a medicina era baseada no equilíbrio de humores. Uma doença, um páthos, era causada por um excesso ou uma falta de um humor. Por isso havia os fleumáticos, os biliosos, os sanguíneos etc. Mas o que poderia levar a um equilíbrio dos humores? Uma atração entre humores opostos. A essa atração o médico Erixímaco, no diálogo O Banquete, chamou eros, amor. E por meio do amor ele define a medicina do humor: "é a ciência do amor nos corpos relativamente à sua repleção e evacuação, e aquele que nesses movimentos consegue estremar o bom do mau amor, esse é um bom médico".
            Você notou? Uma medicina inteira condensada numa pílula, mais exatamente, num poema-pílula.
            Não ignore os poemas-pílula. É tanta matéria e energia condensadas que demora até a gente conseguir medir seu peso.

São Paulo, 9-4-2019
In: BICELLI, R. Antes que eu me esqueça. 2 ed. São Paulo: Editora Córrego, 2017, p. 94.


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