Ensaio: POSAR PARA O POEMA


Certa vez um amigo mostrou-me os desenhos que resultaram de ter posado para uma pintora enquanto transava com uma moça. A pintora ia desenhando todas as posições, ou a sugestão delas. Via-se como, em cada garatuja, o casal ia mudando de posição: ora ele em cima, ora em baixo, ela sob e sobre ele, em pé ele, curvada ela. O espectador dos rabiscos punha termo no desenho apressado. No fundo, sabia o que estava acontecendo ali, via o que não podia ter visto, porque não estava no quarto, mas podia imaginar pela arquitetura das posições, muito bem representadas pela pintora, o que teria se passado onde ele mesmo não estava. Resolvi fazer algo sob o mesmo princípio, mas que não fosse um retrato por meio do desenho, e sim do poema: dizer ao modelo que faça o que lhe vier à gana, o que achar que deve fazer, enquanto o poeta escreve o poema sugestionado pelo ir e vir das posições. Nisso, o poema buscará, como o desenho apressado, fazer ver o inaparente: a arquitetura do ato, a estrutura que, silenciosamente, rege o posicionar-se ou movimentar-se do modelo.

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