Conto: A FUTURA SOGRA, UMA DEUSA


O mocinho, entusiasmado, prepara-se para conhecer a mãe da amada.
- A semana inteira penteando o cabelo.
Tem resposta para tudo: "Trabalha com o quê? Seu pai? É de boa família? Cristão? Vai casar?"
- Não tem erro - diz ao espelho. - Sei tudo de cor.
Imagina dona Verônica alta, elegante, olhar de quatrocentona.
- Onde ela mora, amor?
- Piracicaba.
É de Piracicaba, mas dos mais elegantes de lá: deve ser dona de alta fidúcia, latifúndios, mil e um homens a seus pés. "Nem a conheço, já sou o genro amante e amado!"
Chega o dia: banho de rosas, tira a mais profunda cera do ouvido, o pelo mais remoto do nariz, passa brilhantina, lambe a mão, faz topete que inveja até calopsita, põe camisa com goma, calça que faz volume: Deus, que homem!
Na casa da futura sogra, teque-teque na porta.
- Quem é? - grita de dentro, voz grave de cigarro, taquara gutural.
"Deve ser a copeira, que não tem modos finos", pensa o mocinho.
- É Décio, futuro genro de madame Verônica! - grita o mocinho.
A porta abre.
- Madame? Nunca me chamaro de madame.
O que era aquilo? A velha media polegadas, no lugar da cabeça, o cume era a corcunda. Vestido de Anna Pavlovna? Uns trapos, camisola rasgada, uma nesga de bunda murcha, não muito diferente da cara dela.
- O que ocê qué aqui?
- Vim conhecer a senhora.
- Já conheceu.
- Pretendo me casar com sua filha.
- E já casou?
- Ainda não.
- Então casa, ué?
- Mas a senhora não quer me conhecer primeiro?
- Como é mesmo seu nome?
- Décio Soares de Almeida Melgaço.
- Prazer, Décio Suado de Almada Melaço. Mais alguma coisa?
- É um prazer conhecê-la - se curva.
- Ocê é doido, é?
- Doido por sua filha.
- Doido por aquela doida, é? Diz pra ela que ainda tô esperando os oitocentos reais do celular dela. Meu nome tá sujo, disgraçada.
- Aviso sim, senhora.
- Passar bem.
A porta bate.
Décio suspira, trepidação, treme até o rabo que não tem. Mas é otimista:
- Minha doce Lorena deve ter puxado o pai...

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