Crônica: QUANDO HEMINGWAY SE MATOU
Você sabe
que, quando eu não consigo escrever um conto, fico tentado a inventar algumas
memórias para ver se sai alguma coisa. Não se deve escrever sobre o que não se
sabe, que assim fica mais fácil escrever algo que pareça sincero. Lembro que
certa vez perguntei ao Fernando Sabino por que é que ele escrevia.
- Não vale dizer que escreve porque é escritor! - já o adverti previamente. Só Drummond pode dizer isso!
Ao que ele me respondeu que era uma questão de testilha, de disputa de braço: preciso derrubar Ernest Hemingway. Se Guimarães Rosa, para parir um conto, tinha que sair no braço com o diabo, Fernando tinha que imaginar que estava dando uma gravata em Hemingway, e que o americano pedia arrego.
- Stop, please, stop!
- In spanish! - gritava Fernando.
- Acabe pronto, hombre!
Assim o próprio Fernando tocava a sineta, e se punha, suado, dor nas articulações, a escrever.
- Não vale dizer que escreve porque é escritor! - já o adverti previamente. Só Drummond pode dizer isso!
Ao que ele me respondeu que era uma questão de testilha, de disputa de braço: preciso derrubar Ernest Hemingway. Se Guimarães Rosa, para parir um conto, tinha que sair no braço com o diabo, Fernando tinha que imaginar que estava dando uma gravata em Hemingway, e que o americano pedia arrego.
- Stop, please, stop!
- In spanish! - gritava Fernando.
- Acabe pronto, hombre!
Assim o próprio Fernando tocava a sineta, e se punha, suado, dor nas articulações, a escrever.
O problema foi quando Hemingway se
matou.
- Eu pensava, Eliakim, que, se o homem que me derrubava vencia a si mesmo, eu, que lhe dava uma gravata, terminaria na mesma: dando murros em Fernando, imagine, eu mesmo me apertando o pescoço. A coisa ia ficar séria quando eu comprasse um revólver. Não queria estourar os miolos.
- Eu pensava, Eliakim, que, se o homem que me derrubava vencia a si mesmo, eu, que lhe dava uma gravata, terminaria na mesma: dando murros em Fernando, imagine, eu mesmo me apertando o pescoço. A coisa ia ficar séria quando eu comprasse um revólver. Não queria estourar os miolos.
Buscando
explicação para aquilo, eu recordei que Ernest dizia que via tudo como se fosse
a última vez.
- Também é assim com você, Fernando?
- ... Acho que não, Eli... Vejo tudo com a ingenuidade da criança: como se fosse a primeira vez. Só essa surpresa é que me faz escrever
- Pois se é assim, meu caro amigo - eu lhe disse - você nunca vai se matar! Imagine: ao ver uma mulher bonita, pensar: então é assim que são as mulheres? Não tem jeito: se a vida é assim, ela é uma ordem.
Fernando levantou-se, pôs o copo de uísque sobre a mesa, e me deu um abraço.
- Também é assim com você, Fernando?
- ... Acho que não, Eli... Vejo tudo com a ingenuidade da criança: como se fosse a primeira vez. Só essa surpresa é que me faz escrever
- Pois se é assim, meu caro amigo - eu lhe disse - você nunca vai se matar! Imagine: ao ver uma mulher bonita, pensar: então é assim que são as mulheres? Não tem jeito: se a vida é assim, ela é uma ordem.
Fernando levantou-se, pôs o copo de uísque sobre a mesa, e me deu um abraço.
São
Paulo, 2-1-2019
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