Postagens

Mostrando postagens de janeiro, 2021

4 poemas de 'Canteiro de obras' (Versos em Cantos, 2020)

Imagem
  Prefácio                         APOESIA   § 1 .                    Uma poesia sem poesia, chã: que faz cair na terra o nume, que torne o nome um nada: mate toda palavra, inative qualquer verbo: seja silêncio, muda como é muda a terra, morta e feia como o bramido, e asfixiada como lama.   § 2 .                    Se leva o único nome que sobeja — poesia —, é porque pó, não suspenso, imune ao vento: não aguenta o próprio peso — pó de construção civil que pese mais que um prumo, mas sem aprumar nem aprumar-se. Pó que, peso morto, entorte um prédio, um viaduto, asfixie o bronquítico leitor que se o põe a ler. Método       A ORDEM   § 1.                   Pôr assim, termo a termo, um como que ajuntado ao outro: como se cresse (em silêncio) que esse ajuntamento fosse adjunto à ordem de um fosso: o mundo.   § 2.                   Juntar nisto aqui como se junta toda a gente para a foto, ou, fio a fio, os dent

5 poemas de 'Polióptico' (Córrego, 2019)

Imagem
  INVESTIGAÇÕES DO OLHAR   [...] nunca me vi ultrapassar os limites da luz natural nem muito menos os da metafísica. Francisco Suárez, Disputações metafísicas   Aqui não se investiga à luz de lupa, como quem sai em busca de um pelo de urtiga ou do olho de um inseto. Se se mune de pedaço de vidro, não é para ver de que é feita a coisa, mas como é a coisa fora do ver. Explico: num piscar de olhos, como que fica à vista um vestígio, como uma sola suja de terra, marca pela qual se nota, num gesto semafórico, o pisão que se deu. Pode o olho seguir a pista, perseguir o rasto, correr até o risco de gravar um rosto. Pois que feche um olho, mesmo que reste, em algum lugar, talvez no cristalino, aquele pouco de luz, um vestígio que só se vê piscando. Pois fica assim, a esmo, seguindo a própria pista: o rosto do assassino no olho de uma vítima.   Para investigar assim, só se fazendo as investigações do olhar, que não pode

POEMA: "O BESOURO ESMERALDA ou DA CASA PRÉ-FABRICADA (1 e 2)", in 'Canteiro de obras' (Versos em Cantos)

  O BESOURO ESMERALDA ou DA CASA PRÉ-FABRICADA                                                         ( apud Eduardo Longo) 1.                     Besouro arquiteto, mas à contracanteiro: sendo obra de si mesmo, a via que lhe é meio, arma-se este pedreiro a ponto de doer-se na erguida e escalada (— como dar voo à coruscante carcaça? )   E como o arquiteto ( o de canteiro ) chamaria a curva sacarídea que o envolve e o recobre — dura carga? Quitina? Alumínio? Concreto? Verde ferro ou cobre?   Se arma uma criatura cuja vida-invólucro cintila à esmeralda, é tal recém-criada matéria, novíssima no catálogo: a que faz do brilho-peso armadura de argamassa sobre um corpo áporo. O BESOURO ROLA-BOSTA ou DA CASA PRÉ-FABRICADA   2.                    Um outro, no entanto, esférico arquiteto, a bola empurrando, empurra o próprio teto.   É como se, casa de quitina, procurasse outra casa, no eito: e passasse a vida rolando