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Mostrando postagens de julho, 2020

CRÔNICA: O FUTEBOL versus A ATARAXIA

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Acabo de receber Futebol e mais nada , reunião de poemas de Thereza Rocque da Motta que gravitam em torno de uma das mais intrincadas questões com as quais o humano deparou: o futebol . É proposital o erro que cometo aqui: desculpar as próprias faltas ao torná-las questões universais, quando, na verdade, são fruto do singular acaso de mim mesmo — ser desengonçado, não ter nunca feito um gol, não saber o que é um impedimento. Essa falta (na base da qual nasce o desprezo pelo futebol), Thereza a superou, o que lhe permitiu evidenciar que é possível fazer da privação um motivo de produção poética. Mas o preenchimento de uma privação também pode ter consequências talvez (para os fracos) indesejáveis, se Drummond estava certo quanto à natureza dessa privação: "Bem-aventurados os que não entendem/ Nem aspiram a entender de futebol,/ pois deles é o reino da tranquilidade". Não produzo esta boa poesia sobre a arte dos pés (que Drummond, João Cabral, Roberto Bicelli e Thereza já pro

CRÔNICA - O NARIZ

Quando ela me disse que a outra era assim e assado, perguntei, e isso já é hábito, como era o nariz dela. Ao que ela notou meu interesse desmedido pelo nariz dos outros, sobretudo o nariz delas. Falei que a coisa assim se passava desde que eu tinha sonhado que ia beijar a mulher mais linda do mundo, mas que o nariz dela começou a testar força com o meu, de modo que não se encaixavam, e meu nariz empurrava o dela e o dela o meu. Beijo nenhum, só testilha de nariz. Mas não era exatamente por isso. Lembrei então que, na verdade, era porque havia uma moça que, quando falava, o nariz mexia, como se datilografasse o que ela dizia. Era linda. Então, fiquei buscando outros narizes assim, cuja ponta mexe quando a pessoa fala. Mas também porque, no rosto, sempre falam dos olhos, que quase nunca mudam, mas que, justamente por isso, me interessam pouco. Quero aproveitar a época de ouro desse órgão tão delicado, que, daqui a trinta anos, estará maior, torto e enrugado. O nariz é também um centro