CRÔNICA: O FUTEBOL versus A ATARAXIA


Acabo de receber Futebol e mais nada, reunião de poemas de Thereza Rocque da Motta que gravitam em torno de uma das mais intrincadas questões com as quais o humano deparou: o futebol. É proposital o erro que cometo aqui: desculpar as próprias faltas ao torná-las questões universais, quando, na verdade, são fruto do singular acaso de mim mesmo — ser desengonçado, não ter nunca feito um gol, não saber o que é um impedimento. Essa falta (na base da qual nasce o desprezo pelo futebol), Thereza a superou, o que lhe permitiu evidenciar que é possível fazer da privação um motivo de produção poética. Mas o preenchimento de uma privação também pode ter consequências talvez (para os fracos) indesejáveis, se Drummond estava certo quanto à natureza dessa privação: "Bem-aventurados os que não entendem/ Nem aspiram a entender de futebol,/ pois deles é o reino da tranquilidade". Não produzo esta boa poesia sobre a arte dos pés (que Drummond, João Cabral, Roberto Bicelli e Thereza já produziram). Mas sei que eles habitam, como muitos brasileiros, o perturbado mundo do amor ao futebol, ao passo que eu, ignorante no assunto, permaneço em minha alienada ataraxia.



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