Crônica: O POETÃO
Vinicius de
Moraes dizia que no fim do Carnaval o que restam são saudades e cinzas. Como o
fim de um "gozo espasmódico" (assim diz Fernando Pessoa), quando o
que resta é cansaço. Mas não era sobre o fim do Carnaval que eu queria falar.
Era sobre a grandeza do "poetinha". Sobre ele, um amigo e eu
conversávamos. Que faz de Vinicius o grande poeta que foi? Mesmo após os
modernistas (Oswald, Mário, Del Picchia), Vinicius de Moraes nos mostrava que
ainda era possível ser moderno com soneto
metrificado e rimado. Mesmo depois de
AMOR
HUMOR
(Oswald)
HUMOR
(Oswald)
Vinicius escrevia coisas como:
De tudo, ao
meu amor serei atento
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento
E o mais interessante: continuava
sendo moderno. Vinicius, prezo a cânones, conseguia fazer poesia moderna. Sinal
de que o moderno não era (ou não era apenas) a subversão de cânones. Era
possível preservar os cânones e permanecer moderno. Drummond ousou isso em
alguns poemas, embora não tantos quanto Vinicius. E houve, de fato, um retorno
a certos cânones da poesia após o período heroico do modernismo.
E, no
entanto, Vinicius conseguia, ainda, antecipar tendências contemporâneas como
aquelas que exploram as camadas do significante - procedimento moderníssimo e
subversivo por excelência. Em 1943 (1943!), Vinicius escreve "A última
elegia" (sim, uma elegia, como faziam os gregos antigos, como fez
Empédocles), que dizia coisas como:
Greenish,
newish roofs of Chelsea
Onde, merencórios, toutinegram rouxinóis
Forlornando baladas para nunca mais!
Ó imortal landscape
no anticlímax da aurora!
ô joy for ever!
Na hora da nossa morte et nunc et semper
Na minha vida em lágrimas!
uer ar iú
Ó fenesuites, calmo atlas do fog
Impassévido devorador das esterlúridas?
Darling, darkling I listen...
“... it is, my soul, it is
Her gracious self...”
murmura adormecida
É meu nome!...
sou eu, sou eu, Nabucodonosor!
Motionless I climb
Onde, merencórios, toutinegram rouxinóis
Forlornando baladas para nunca mais!
Ó imortal landscape
no anticlímax da aurora!
ô joy for ever!
Na hora da nossa morte et nunc et semper
Na minha vida em lágrimas!
uer ar iú
Ó fenesuites, calmo atlas do fog
Impassévido devorador das esterlúridas?
Darling, darkling I listen...
“... it is, my soul, it is
Her gracious self...”
murmura adormecida
É meu nome!...
sou eu, sou eu, Nabucodonosor!
Motionless I climb
the water pipes
Am I a Spider?
Am I a Mirror?
Am I an X Ray?
Am I a Spider?
Am I a Mirror?
Am I an X Ray?
Não é impressionante? De poetinha
Vinicius não tinha nada. Era um poetão!
São Paulo,
6-3-2019, quarta-feira de cinzas
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